Dodói
Minha filha aprendeu a palavra “dodói” já faz um tempo (aliás, é uma das minhas favoritas, já que ela fala de um jeito muito fofo, uma coisa meio “djodói”, aponta para a parte do corpo machucada ou para o responsável pela ferida, que costuma ser uma parede, uma quina ou algo do tipo). Ela andava mostrando muito um “dodói” no joelho, que ela ralou nem me lembro onde, e que já estava bem cicatrizado. A gente dizia que aquele dodói já tinha sarado, mas sempre dava um beijo, fazia um carinho, dava um consolo que fosse.
Ontem, ela disse “dodói” sem ter se machucado, sem mostrar nenhum objeto ou nenhuma parte do corpo. E eu a beijei, abracei, fiz carinho. Fiquei me perguntando se ela estava falando aquilo à toa, só pela sonoridade da palavra. Foi aí que me deu um estalo: não estava. Comentei com meu marido: “acho que esse dodói é no coração”, querendo dizer que era um pedido de alento, de aconchego. Comecei a reparar nas vezes em que ela dizia isso, e notei que nem sempre era mesmo um machucado físico, uma topada em algum canto da casa. Em muitos casos, era um mal estar, uma angústia, um coração apertado.
Fiquei pensando em como as crianças (no caso dela, um bebê de um ano e três meses), sabem se expressar bem, mesmo quando ainda não entendem como se conversa. E se a gente aprendesse um pouco com elas?
A Maria Clara, minha filha, agora também diz “abaia” quando quer receber um abraço.
Tem dias em que eu não estou bem. Tem dias em que tudo que eu preciso é ser abraçada, cuidada; tem dias em que eu preciso mesmo de um carinho. Nem sempre sei pedir. Eu noto o mesmo no meu marido (que é o outro adulto da casa). Tem vezes em que um mal estar, uma angústia, um coração apertado acabam resultando em uma patada, uma rispidez desnecessária. E aí, o sentimento ruim fica ainda pior, porque além de estar triste, ainda fizemos alguém ficar triste ou com raiva de nós.
Em tese, a criança é que não sabe se regular emocionalmente (e é claro que isso é verdade em muitos casos, temos tentado ensinar a não bater e não morder por aqui, reações que sempre se seguem de algum desconforto com que a minha filha ainda não sabe lidar). Mesmo assim, todos nós, adultos, temos histórias de “cabeça quente” para contar de que nos arrependemos. Histórias que poderiam ter sido evitadas por um simples aviso de “dodói” ou quem sabe um pedido de “abaia”.
É, eu tenho muito a ensinar para a minha filha. No entanto, em um ano e três meses ela já me ensinou muita coisa que eu não tive a capacidade de compreender em trinta e sete anos de existência. Seguimos aprendendo uma com a outra. E nos abraçando quando o “dodói” na alma apertar.